domingo, 27 de março de 2011

Castlevania 64 ou: Como Eu Aprendi a Parar de me Preocupar Com a Câmera e Amar Cair em Abismos.

Uia, mais de um mês dês de que fiz minha última postagem! Que horror...



Eu estou fazendo uma maratona Castlevania em minha tentativa de jogar os clássicos de outrora que nunca joguei, sendo Castlevania a primeira etapa. Escolhi como método de aproximação ao meio um acesso cronológico aos jogos, contando a partir do primeiro jogo da série até o mais recente que me for de acesso. Tendo passado pelo NES, o SNES, o PSP e demais consoles na cruzada do clan Belmont contra Drácula, tive meus momentos de alegria e meus momentos de fúria, por vezes acessei a catarse debulhando obstáculos do jogo e outras xingando os controles ruins que me foram dados. Bem, toda a minha fúria atingiu um ápice com Castlevania 64, a primeira empreitada da série no mundo 3D e, definitivamente, uma entrada não tão brilhante.

O jogo foi lançado em 1999, dois anos após Symphoy of the Night ter saído para o PS1. Ele estrela Carrie Fernandez e Reinhardt Schneider (saúde!), que se aventuram no castelo de Drácula em seu retorno após 100 anos de paz para aterrorizar o mundo novamente, compreendendo tais horrores em seus corredores e masmorras como: uma trama bagunçada além do reparo; uma atuação vocal falha e desnecessária e um diálogo escrito por uma horda de macacos retardados sob os efeitos de ácido! Tudo isso enquanto somos apresentados a uma bruxa aristocrata com um terrível mau gosto por tintura capilar; um caçador de vampiros com um estranho fetiche por cruzes e já muito atrasado para a aposentadoria; uma mulher-transformada-em-vampiro pela Gonorréia nos dentes de Drácula; e um garoto que poderia muito bem ter “Eu sou Drácula” escrito em sua camisa, que serve de objeto para levar a uma das reviravoltas mais obvias que eu já vi em um videogame. A maioria dos quais não chega a ter mais de seis falas no jogo, existindo tão somente para transformar presunçosamente a simples trama “mate o vampiro” deste hack’n slash na epopéia de Gilgamesh se ela tivesse sido escrita por Stephenie Meyer.

Oh boy, eu já estou entediado! E já que estamos no tópico do tédio, comecemos pelos gráficos. Eu sei que é meio errado descer a lenha nos visuais de um jogo de onze anos atrás, ainda mais um jogo do Nintendo 64, mas houve jogos melhores nesses termos para o console naquela época, e este certamente não é um deles. Como um ponto positivo ao jogo, eu digo que ao menos um senso de variedade dos cenários, mesmo que mínimo, foi mantido: os mapas não aparentam repetição, cada um mantendo a sua individualidade no todo. Porém isso não amontoa a nada já que os níveis são bem mal feitos e seus quebra-cabeças simplórios; junte isso ao fato de que tudo parece ter sido criado com papelão que ficou por três horas na chuva na semana passada e, tão logo você perceba, estará desanimado ao olhar praquela parede cheia de riscos pixelados que mais parece o trabalho artístico com queijo gorgonzola de um estudante do primário.

O visual dos personagens e monstros não melhora a experiência em nada, e muito embora eu deva dar crédito a certos conceitos, qualquer coisa boa foi perdida na renderização. Todo mundo é feio nesse jogo; a quantidade de detalhe tentativamente aplicada na fraca engine gráfica do N64 só torna o discernimento de expressões faciais impossível; os inimigos parvos; e as experiências cinematográficas que a câmera tenta tomar uma receita para evoluir a já precária situação da apresentação a um completo Vale Estranho. Mas nada tão ruim que não possa piorar, pois, ainda com o garoto do queijo gorgonzola em mente, este jogo tenta indultar-se as artes; e exatamente como um cartaz de um trabalho escolar feito com cartolina, nós temos gliter saindo das pessoas que morrem, e capas que pegam fogo sem motivo aparente ao falecimento de seus donos. Se já não bastasse a prepotência das cenas, espere até ver as animações dos ataques e o design dos inimigos de um modo geral. Esquecendo por um momento o jardineiro Frankenstein com uma serra elétrica  no lugar do braço e os esqueletos pilotando motocicletas, os chefes finais do jogo são uma piada: Drácula em sua última forma vira a mistura de uma centopéia com um dragão lançador de, eu não estou brincando, bolas de fogo nucleares; eu contei uns três chefes cuja aparência foi reaproveitada de um ou para um foot soldier, mas essas reutilizações não se limitam a apenas de inimigos pequenos para Chefes e vice-versa, mas também ENTRE os próprios chefes, como é o caso da Morte, chefe recorrendo da franquia que tem seu semblante e padrão de ataque reutilizado em outro chefe não relacionado. DITOS ATAQUES QUE, por si só, são risíveis, já que tais investidas incluem a Morte invocando trutas gigantes para atacar o oponente:


Em cima: a morte invocando peixes verdes. Em baixo: Renon, o chefe ripado com sua variante vermelha.
Eles poderiam ter colocado como invocação um dragão, uma cobra ou um braço de esqueleto, mas o que veio a cabeça no momento foi um peixe e nada mais que um peixe. Enfim, vai trutão!

Os produtores acharam que a idéia de um esqueleto com asas de urubu, capuz e foice ceifadeira tirando peixes do Limbo era tão genial que resolveram pô-lo como chefe no mesmo jogo duas vezes! Que graça...

 Crisis, morra de inveja!

Como mencionado previamente, o jogo disponibiliza duas opções de personagens a serem usados pelo jogador, Carrie e Reinhardt(cujo nome eu acabo esquecendo o tempo inteiro, me referindo a ele por vezes como o “brutamonte burro de jaqueta rasgada). Os personagens são iguais em tudo a exceção dos ataques, cada qual possuindo dois tipos deles: um primário e um auxiliar, onde o primeiro é mais lento e mais poderoso e o segundo é mais rápido, porém com um alcance e dano inferior. Carrie tem habilidades mágicas, criando globos de energia que perseguem os inimigos na tela dependendo do tempo de carga pelo jogador e da quantidade de Power ups obtidos. Com três PUs e completamente carregado, o projétil pode atingir dois alvos de uma só vez; em contraste, o ataque primário de Reinhardt é um chicote, arma clássica dos caçadores de vampiros em Castlevania, que só pode atingir o que está bem em sua frente. Já que Carrie possui uma arma extremamente mais poderosa e prática, que sequer precisa que o jogador mire no inimigo antes de atirar, não há qualquer benefício em jogar com o grandalhão com jaleco de mendigo, fato que torna o sistema de dois personagens inerentemente quebrado.

 Oh, esse jovens com seus penteados do século XIX...

Por que ela está comendo uma cebola? Não faço a mínima ideia, mas acho que ela deveria ter feito isso no jogo, poderiam ter socado-lhe uma cebola garganta abaixo toda vez que abrisse a boca para dizer algo. Nos teria poupado a dolorosa experiência de vê-la dialogar.

Como um hack’n’slash, o jogo não contém apenas acessos de violência indiscriminada contra esqueletos, bruxas e o escambau; tendo também partes de plataforma, e alguns quebra-cabeças a serem resolvidos pelo percurso e, rapaz, como esses momentos cansam! Pular e correr são duas tarefas praticamente hercúleas, devido à mecânica chinfrim criada para o jogo que da a entender que os produtores achavam que inércia é uma propriedade da matéria que faz com que toda superfície no mundo seja coberta com sabão, dada a facilidade de se perder o controle sobre o personagem e a falta de resposta dos controles de um modo geral; necessitando prática para se acostumar. Todavia, mesmo que os controles façam jogar este jogo um ato análogo ao de tentar esculpir uma Vênus de Milo em um copo de gelatina, nada estaria arruinado, não fosse por um pequeno detalhe crucial e literalmente crucial, de tão excruciante que é! Um inimigo muito mais poderoso do que Drácula, a morte, ou qualquer outro obstáculo que esteja neste jogo: a câmera.

Oh, deus amado todo poderoso, a câmera, acho que eu poderia escrever um ensaio científico sobre as suas características peculiares, pois ela aparenta possuir vida e vontade própria, definitivamente um marco para a pesquisa de inteligência artificial! Ela pode ficar estática quando você precisa que ela se mova em certo ângulo pra dar um pulo, ou pode sair quicando pelos corredores do castelo feito uma bola de borracha quando você precisa dela parada; sempre fazendo algo inesperado ou indesejado para o momento, qualquer que ele seja. Independente da situação, você nunca, eu repito, NUNCA vai pôr a câmera no ângulo próprio para maa batalha ou salto de plataforma, simplesmente porque essa porcaria não foi feita tanto para dar visibilidade do cenário ao jogador, e sim para assistir a sua jogatina de arquibancada, rindo-se de suas tentativas de lidar com um cenário já não muito bem planejado enquanto ela te leva à beira de um derrame cerebral sacudindo-se de um lado para o outro.

Agora vamos falar em redundâncias, sim? O jogo aparentemente possui um sistema de status, como em um RPG com status como “Envenenado” e “Amaldiçoado” (em que você não pode atacar ou algo assim); eu digo aparentemente porque eu não tive qualquer padecimento em minha experiência pelo jogo, terminando-o com um mundo de itens para tratamento de status negativos sem nunca ter precisado de nenhum deles, rendendo o tempo que desperdicei os procurando completamente inútil. O mesmo vale para o relógio interno: o jogo oferece um sistema interno de tempo, onde a cada meia hora o dia vira noite e vice versa (deve ser um ano muito rápido em Transilvânia dessa forma, imagino), complementando esse sistema existem cartas que podem ser usadas para acelerar o relógio e fazê-lo amanhecer ou anoitecer. Pode parecer um conceito interessante, mas ele não causa conseqüências. Que eu me recorde houve apenas duas situações onde o sistema manifestou-se de forma prática: uma porta em que era necessário que o jogo estivesse de dia para ser aberta (o que não fazia muito sentido, já que dita porta se encontrava NA DROGA DO ESGOTO, embaixo da terra, onde o Sol não poderia alcançar); e duas ou três salas onde vampiros apareceriam sempre que o jogo anoitecesse. Fora essas duas ocasiões, o sistema de tempo acabou revelando-se como algo completamente inútil. E mesmo que ele fosse usado com maior freqüência, seria igualmente redundante, justamente pela abundante presença de cartas no jogo, assim como a de qualquer outro item, o que é outro problema que este jogo possui: uma gigantesca quantidade de coisas que o jogador terá a sua disposição para curar-se, tornando toda a experiência ridiculamente fácil, além de minar certo ponto da trama referente à quantidade de dinheiro gasto em uma loja. Sim, o jogo possui uma loja, como se a disposição de material já não fosse suficiente.

Caso você tenha lido minha resenha de Symphony of the Night, você já deve saber que a narrativa não é o forte da série Castlevania. No entanto, definitivamente este jogo deve ter atingido o fundo do poço. E não é culpa do console, o Nintendo 64 é um videogame repleto de exemplos do que há de melhor em trabalhos de ficção no meio, como Zelda Ocarina of Time e Conker’s Bad Fur Day, por exemplo; apenas ocorre que esse jogo maldito que é muito ruim! A franquia pode ter dado o salto da segunda para a terceira dimensão pela primeira vez aqui, mas seus personagens são tão unidimensionais quanto um pedaço de papelão, o que é apropriado, considerando que eles REALMENTE parecem ser feitos de papelão. Alias, alguns deles possuem não só apenas uma dimensão quanto uma única aparição, já que só manifestam-se no jogo uma vez no começo para apenas regressarem no clímax, como se os produtores tivessem olvidado sua existência ou simplesmente nem quisessem ter de introduzi-los ao jogo, fazendo isso apenas para dar razão àquele pangaré com uma miríade de cruzes que aparece na batalha final para jogar água benta em Drácula! Não bastando o estado já precário da trama, o diálogo vem para esfodaçar com qualquer dignidade que ainda reste à obra, tendo aparentemente sido escrito por um garoto de sete anos que aprendera a língua inglesa por cursos em CD por encomenda – provavelmente fruto dos problemas que ocorriam na localização de jogos ocidentais para o ocidente naquela época -. Constituído de clichê em cima de clichê em situações em que sua execução chega a ser desnecessária, a trema deste jogo não passa de uma casca vazia de história onde bonecos de papel machê bradam asneiras sem significado uns contra os outros.

“In order of density: lead, neutron stars, black holes, Carrie.”
Descrição de uma das partes em um Let’s Play no Youtube, e eu concordo.

E você aparenta ser um genuíno gênio, senhor...

O diálogo de tão ruim que é chega a ser forçado, como se fosse uma paródia de si mesmo, mas que sem uma piscadela sorrateira, apenas torna a Lei de Poe uma máxima evidente. Os produtores aparentemente que era uma necessidade convergir essa imagem ruim e bizarra aos vilões; talvez um efeito colateral de ter personagens feitos de cartolina e gliter fora a descaracterização destes no formato usado no jogo, buraco de onde os ditos produtores acreditavam que apenas o exagero do script poderia resgatá-los. Para tal efeito, uma bruxa malvada introduzida como a serva mor de Drácula diz em certo momento que adquiriu sua imortalidade matando o próprio filho, e que alimentará as energias fracas de seu mestre matando mais outras 100 crianças em um ritual de magia negra; Drácula em si também tenta da mesma tática, escondendo-se por trás de uma criança aparentemente indefesa enquanto um de seus servos vampiros dorme em seu caixão. Os extremos patéticos tomados aqui para tentar fazer com que o jogador se importe são hilários, mas inúteis, ninguém que jogar este jogo poderá levá-lo a sério em hipótese alguma, tornando todo o esforço – ou falta dele – colocado na manufacturação destes personagens em um completo desperdício de tempo. Não melhora em nada que existe um mal muito mais temeroso e importante que Drácula ou qualquer outro monstro que apareça em toda essa bagunça que chamaram de jogo, que é ninguém mais nem menos que a câmera. Eu sei que eu já falei em seu respeito a pouco neste artigo, mas ela é tão ruim que é impossível deixar isso pra lá. Essa porcaria é definitivamente um soldado do diabo, posto no mundo para transformar a vida das pessoas em um inferno sem igual!

Castlevania 64 é uma madrugada fria e nebrinosa em uma ruela velha e suja de um país da Europa Oriental, vista pelos olhos de um rapaz míope cujos óculos foram quebrados no estupro sofrido na noite anterior. É horrível, monstruoso, nojento e abusivo, uma quimera de tudo que havia de ruim nos jogos de Nintendo 64 e tantos outros videogames nos seus primeiros dias de brilho em um universo tridimensional. Ele açoita o jogador com uma câmera ruim, sodomiza-o com controles instáveis, cega-os com gráficos lancinantes, ensurdece-o com uma atuação vocal medonha e por fim o leva a loucura com sua história pútrida. É uma imperdoável pilha de merda, e quando comparado à obra de arte lançada dois anos antes para o PS1, apenas garante a lapidação de sua falha como veneravelmente épica.